quinta-feira, 5 de abril de 2007

Para um grande avô

Há vidas que não podem deixar de ser faladas… que não nos deixam indiferentes.
Porque são feitas de feitos, de poesias soltas, de momentos mágicos, de palavras irrepreensíveis, de gestos de grandeza indubitável, de conselhos perfeitos…
Assim é a vida do Sr. Manel… assim é a vida do meu avô: Uma cantiga de desafio com voz de desgarrada…
87 anos com a simplicidade de uma boina na cabeça.


Contam-me, que quando era ainda pequena, o meu lugar na mesa era sempre ao teu lado, avô. Gostava de me sentar pertinho de ti e que me enchessem o prato de arroz de tomate. Lembro-me, como se fosse hoje, o quanto gostava de te olhar e ver os teus olhos brilhantes de orgulho… na mesa corrida e cheia de gente, a nossa família.

Dizem-me que me chamavas Joaninha pois não gostavas do nome que os meus pais tinham escolhido para mim… mas isso não abalava o carinho. Um carinho que se fazia notar numa mão firme, quando me colocavas em cima do tractor depois de mais um dia de vindimas.

Recordo ouvir-te contar mil histórias do antigamente, gracioso e sorridente, e eu, corria curiosa para ouvir o delicioso desfecho de mais um conto de gente grande que tinha sempre contornos de ternura e uma pitada de humor…

Sempre te ouvi cantar… Todas as ocasiões, por vezes, as menos pensadas, eram a altura ideal… Não havia receios de olhares ou críticas e nem umas cotoveladinhas (de amor) da avó Isaura te faziam parar. Pois era altura de cantar. E nada pode parar as emoções de quem canta com alma na voz.

Os conselhos sábios feitos de palavras simples e justificados por exemplos credíveis, ganham outra força… Força de quem carrega consigo a sabedoria de uma vida desafiada pelo amor, pela força, pela fé… de um amanhã melhor. Conselhos que bebo com a sede de respeito e confiança plena. Não conheço ninguém melhor para me aconselhar…

Não esqueço as muitas notas, que à socapa de todos, me enfiavas no bolso… Notas que tinham um valor diferente, muito superior… possuíam o valor do amor… da confiança, da cumplicidade…

Lembro-me sempre dos muitos passeios que dávamos à volta da capela de Santo António. Passeios, em que os silêncios confortáveis se misturavam com risadas sinceras, histórias fictícias, palavras inventadas, verdades cruas, momentos únicos… E tenho tantas saudades desse tempo, em que o tempo me deixava estar mais contigo… Agora passeio as saudades que tenho de ti.


O tempo passou…
Hoje…
continuo a gostar de arroz de tomate, ainda que reconheço não ter o sabor de outrora,
continuo a ter uma Joaninha dentro de mim, que voa, muitas vezes, para baixo da asa do avô protector,
continuo ansiosa por ouvir as muitas histórias que ainda não contaste e me continuam a deliciar como sempre,
continuo a ouvir-te cantar com o mesmo entusiasmo na voz, de quem acredita que não é tarde para sermos felizes,
continuo a ter sede dos teus conselhos sábios, que mais do que uma vez me acordaram para a realidade,
continuo a valorizar mais o carinho que as notas que me dás, de vez em quando, à socapa,
continuo a sonhar com passeios intermináveis em tardes de Abril,
continuo a sentir, sempre que nos reunimos, que tens o mesmo brilho nos olhos perante uma mesa comprida… cheia de gente, muito mais gente… a nossa família.
E eu continuo a ocupar o meu lugar na mesa… a teu lado.

Há vidas que não podem deixar de ser faladas, que não nos deixam indiferentes, que nos tornam diferentes… melhores pessoas. Há vidas que são vividas com a garra de quem canta uma canção de desafio… Há vidas, assim como a tua, avô. Em que as palavras não chegam para a contar.

Obrigada!

Parabéns!

Efectivamente o melhor avô do mundo.
Afectivamente um Homem com H maiúsculo.

2 comentários:

Lau disse...

Pena não teres estado presente quando este texto teu foi lido, e muito bem lido, pela Ritinha, eu não pude lê-lo como prometi, sempre que tentava engasgava-me em lágrimas, e como era um dia de alegria eu não o ia estragar. O avô ficou radiante e inchado de vaidade. Houve mais umas notas, desta vez dadas à vista de todos, para todos os netos, até a minha Clarinha teve direito a uma! A tua está à espera que chegues :)

Beijo grande priminha linda, tenho muito orgulho em ti!

Vanessa disse...

Mais uma vez me deixaste com um nó na garganta, assim como com o texto da tua avó...
Saboreia intensamente esse tesouro que a vida te deu minha Pi, uma grande familia, em todos os sentidos. Amiga, unida, cheios de amor para dar e receber, sempre presentes nos momentos bons e nos menos bons, isso sim é uma FAMILIA!
Talvez te custe a acreditar mas, nos tempos que correm, uma verdadeira raridade...

Efectivamente o maior tesouro que alguém pode ter!
Afectivamente gosto de acreditar que nunca é tarde para o ter!